Assistir ao Festival da Canção é uma coisa esquisita para mim. Primeiro, porque logo nos primeiros minutos de emissão, me pergunto a mim mesmo: “Como é possível estar sentado à frente da televisão a ver isto?!”, e no fim: “Meu Deus, a minha vida é mesmo vazia. Perdi 3 horas a ver lixo e tal como todos os anos, foi uma grande porcaria. Foi como ver o genérico dos Olhos de Água por cinco semanas seguidas. Que desilusão, que cansaço!”. Acabo por me sentar em frente ao computador, googlar um site eurovisivo qualquer e ver as opiniões dos outros fãs portugueses e até estrangeiros, que não diferem muito da minha: O Festival da Canção foi, mais uma vez, um espectáculo medonho e seco, que perderia por 7 a zero contra a reprise dos Telettubbies. Não vale a pena tentar dizer o contrário. Não há argumentos a favor. Continua tudo na mesma.
A pergunta que impera não é “o que correu mal?”, mas sim “o que raio correu bem desde as 21h até à meia noite e meia no estúdio 1 da RTP?!”. Talvez os 6 deliciosos minutos em que ouvimos a Filipa cantar, e o quadro de votações que estava finalmente como todos queriam (ou quase todos). Esses dois momentos foram a boia de salvação, que não deixou o festival descer para o fundo do oceano, onde, já congelados e deteriorados, estão 70% dos outros festivais portugueses.
Mas falar bem não tem graça, e eu não consigo resistir e vou ter que apontar o dedo às falhas épicas que foram cometidas no Sábado. Para começar, o ambiente em estúdio era muito mau; ingénuos foram os que acharam o palco bonito nos ensaios. O básico não tem lugar no mundo do sucesso, lamento. Depois, as canções todas iguais, que juntas pareciam uma só canção de um grupo qualquer de música ligeira portuguesa que actua nas festas de cidade apenas para haver música de fundo enquanto se compram farturas e peúgas dos ciganos. Os apresentadores foram demasiado lentos, sempre colados às conversas banais, tentando um humor ligeiro que só dá cólicas em vez de gargalhadas. Uma espécie de versão Xanax da Cristina e do Goucha. A guitarra lá esteve, em todas as canções, enjoando e enjoando, ao ponto de não se conseguir ouvir mais. As performances fracas, sem nada, vazias, ocas, chatas, bleh!
O terror começou com o Ricardo, que por muito que cantasse bem não conseguiu salvar a “Gratia Plena”, uma canção de fazer chorar as pedras da calçada do Chiado de desapontamento. Quando desejava já uma morte lenta e dolorosa ao invés de o ouvir, eis que aparece o Pedro Macedo, que me fez cair para o lado e desfrutar de um sono de 3 minutos que valeu ouro bordado em diamantes. De seguida apareceu o Tó, que não conseguiu perfurar o meu sono e me deixou ainda mais ferrado no descanso. O Gerson quis “Redescobrir Portugal”, mas eu continuei a dormir e a sonhar, não com as montanhas e o vinho, mas com paisagens bem mais interessantes. E o sono continuou. Eis que chega a Joana. O instrumental acordou-me em sobressalto, saltei do sofá, vibrei com o ritmo e pensei que era desta! Mas a gaiata começou a cantar e eu caí desolado no sofá. Corri à procura do comando e baixei o som, perguntando ao mesmo tempo a Deus que mal tinha eu feito para ter que ouvir tanto desafinanço. Depois da Joana veio a Pamela encher chouriços, e eu aproveitei para ficar com o som bem baixo, enquanto que ela se contentou com a saudade. Os Cúmplices deixaram-me mais alegre, mas não consegui gostar de tamanha piroseira sem qualquer tipo de ingrediente eurovisivo, mas já mais animado entrei na canção do Arménio, mais do mesmo, mais do mesmo! E aí vinha a nove, que prometia muito, mas que acabou por desiludir ainda mais! Ri-me do fato do Carlos, e bati com as mãos nas pernas e na televisão, e acabei por sem querer fazer um melhor instrumental que o de “Queres que eu dance?”. A Vânia foi a décima a subir ao palco, mas nessa altura já era tarde demais e eu não suportava ouvir mais nada. Mesmo assim, aumentei o som e apreciei a melodia bem construída, mas que não tinha qualquer potencial para um concurso tão grande como o ESC. Sabia que o Rui era o próximo, então fiquei pronto para o ouvir, mas aos dez segundos de canção caí para o lado e gritei “Desisto!”. Mudei até de canal. Até que me lembrei que a composição do Babic era a última a pisar o palco, e voltei à RTP, dando de caras com a melhor da noite, e a única com o “corpo” suficiente para enfrentar as 41 músicas eurovisivas deste ano. Ali estava, a grande vencedora.
E não há muito mais a dizer, porque já foi tudo dito, porque foram óbvias e explicitas as falhas, os erros crassos, a falta de profissionalismo de uma estação que não apresenta melhorias e que já caiu na autêntica desgraça e pobreza no fundo do fundo do poço. Só me resta apontar que continuamos todos muito ingénuos, sempre com aquela esperança ridícula de que “este” seja o ano da mudança, de que é “desta” que vamos ter um show interessante e repleto de bons materias para a Europa, mas depois acabamos sempre no mesmo lugar, a fazer queixas do que correu mal, dando conta de que continua tudo exactamente igual.
Mas a noite acabou bem. Foi como ser aliviado de uma dor aguda no peito com 3 horas de duração. Mal reparei que “Vida Minha” tinha ganho, saltei de alegria, dizendo, 4 anos depois, “tenho orgulho da participação portuguesa!”.
. Mas p'lo amor de Deus, era mesmo a melhor, de longe.